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quinta-feira, 28 de março de 2013

MEMÓRIAS DE LEITOR*


MEMÓRIAS DE LEITOR* 
Por João Gouveia 


No ano de 1987 iniciei minha escolarização, um mês de aula e eu já completava oito anos, sendo um dos que tinha mais idade e ao contrário de todos os outros não fizera o pré-escolar, fato esse que atrasou um pouco minha alfabetização. Por outro lado, mesmo sendo filho de pais semianalfabetos, ingressei na escola conhecendo todas as letras do alfabeto. Meu pai com o pouco que sabia, ao ensinar o código, conseguiu me iniciar no que mais tarde eu descobriria ser um mundo encantador. Mas não vamos adiantar os fatos, ainda tenho muito a contar...
Aprendi a ler muito rápido e fui aprovado nesses anos do ensino fundamental com médias acima de nove em todas as disciplinas, compreendia textos que alunos de séries mais avançadas teriam dificuldades para realizar tal tarefa. Porém, nesses primeiros anos de escola não tive em mãos um único livro além do didático. Eu gostava do livro, mas percebia que os textos não eram integrais e aqueles fragmentos deixavam-me frustrado por saber que ainda tinha algo para ser lido daquelas histórias e que dificilmente eu conseguiria ter acesso a esses livros. Não que a escola não dispusesse de biblioteca, muito pelo contrário, era uma até razoável que contava com um bom acervo. O problema é que aquele ambiente me assustava. Primeiro, porque era pouco frequentado, apenas alguns desbravadores esquisitos adentravam aquele espaço. Segundo, porque a funcionária que atendia no espaço parecia não gostar de visitas e com seu ótimo atendimento fazia questão de nos deixar afastado de todos aqueles livros. Não culpo aquelas senhora, mas certamente deixei de conhecer boas histórias porque tinha medo do ambiente e dela, principalmente.
Se nesse período no espaço escolar não fui bem sucedido como leitor, fora dele a vida me reservara belas oportunidades. Por influência dos patrões do meu pai, que eram nossos vizinhos, tive acesso a minhas primeiras leituras independentes e integrais. Comecei a acompanhá-los para a Igreja Adventista e participava da escola sabatina, não tinha dinheiro para comprar os livros de estudo, mas ganhava do patrão. Eles eram assinantes de uma revista chamada Nosso amiguinho e me davam os exemplares já lidos. Esse período foi de grande importância na minha formação, pois a revista apesar de ser para crianças era além de divertida, muito informativa, o que me ajudava e muito nas tarefas da escola.
Nessa mesma época, ainda por influência dos adventistas, comecei a ler a bíblia. E como eram leituras dirigidas, adaptadas ao público infantil, fiquei apaixonado pelas histórias do velho testamento e especialmente, pelas parábolas de Jesus no novo testamento. Pela facilidade que tinha em ler e compreender, ajudava minha mãe com as lições da escola bíblica, sendo que aos dez anos fiz um curso, apenas como ouvinte, chamado Revelações do apocalipse, no qual tive participação excelente superando a média de muitos adultos cursistas. Alguns anos mais tarde os patrões se mudaram para uma casa distante da nossa e eu perdi com isso a minha oportunidade de ter acesso a material de leitura novo e bem cuidado.
Veio a adolescência e com ela uma fase de descobertas, namoros, interesse por esportes e com isso a leitura passou um longo período afastada de minhas prioridades. Não me lembro de ter lido nada de interessante nessa época e o pouco que li não foi por vontade e sim para cumprir atividades das disciplinas. Somente no final desse ciclo é que me interessei por algumas leituras graças a uma professora de língua portuguesa que tinha uma biblioteca em casa, toda montada com livros ganhados das editoras. Um dos livros que ela me emprestou era O assassinato do conto policial, uma história muito bacana que me prendeu ao livro por vários dias em atividades de leitura e releitura. Essa professora foi uma grande incentivadora da leitura, não só pelas dicas, mas principalmente por ter o desprendimento em oferecer os livros sem se preocupar com datas para devolução ou possíveis extravios. Uma pena que só estudei um ano com ela. Mudei de escola para fazer o ensino médio mais perto de minha casa, pois tinha de estudar a noite e a cidade era muito perigosa. Por conta da mudança de horário, do trabalho que arrumara e de outros interesses da juventude, novamente a leitura foi deixada para segundo plano.
O ensino médio não ajudou a consolidar minha formação como leitor. Os livros que li durante os três anos foram todos leituras obrigatórias da disciplina de literatura, existente na época. Por serem clássicos, linguagem difícil de alguns autores, não me interessei por nenhuma das leituras, com exceção do livro Vidas Secas. Enxerguei nele a vida de minha família quando vivia no nordeste, não na intensidade do livro, mas com grande identificação nos sofrimentos das personagens. A história fez sentido para mim.
Terminado o ensino médio, fui fazer Pedagogia. E tenho que dizer aqui: alguns dos autores que li durante o curso continuam uma incógnita em minha mente. Não imagino o que eles queriam dizer. Apesar dessas frustrações, tornei-me um leitor de Paulo Freire, também por identificação pessoal, até mesmo pelo seu modo simples de se comunicar com o leitor. Hoje, como professor, compreendo na prática que alguns dos teóricos estudados na academia jamais passarão disso, apenas teoria. E que outros são importantíssimos para fundamentar nossa prática em sala de aula, caso contrário não precisaríamos ficar quatro anos lendo e discutindo algumas abordagens teóricas se algo de bom não aproveitássemos delas.
Quando conclui a faculdade e fui atuar como professor nas séries iniciais tive que me reinventar como leitor, pois precisava conhecer literatura infantil. A escola onde trabalho conta com ótimo acervo nessa área. Devorei literatura infantil e para minha surpresa, muitos anos mais tarde eu estava realizando um sonho de infância, ter em mãos o que não tive nos primeiros anos de escola. E não é que algumas daquelas histórias ainda se faziam presentes nas minhas lembranças, justamente aquelas que eu tinha lido apenas fragmentos.
Finalmente, chegamos ao momento atual em que sou acadêmico do curso de Letras e atuo como professor de língua portuguesa no ensino fundamental e médio. Como leitor tenho me aplicado muito a leituras teóricas e adquirido um gosto especial pela literatura brasileira. Machado de Assis tem assumido um lugar cativo nas minhas horas de leitura, paralelamente assisto as adaptações de sua obra para a TV e o cinema. Não tenho mais vontade de ler literatura de autoajuda, já li bastante na época que fazia pedagogia por indicação de colegas e professores do curso. Leio hoje por obrigação, as circunstâncias de estudante nos impõem, e leio por prazer e diversão, não encaro os livros como desafio. Eles não foram feitos para desafiar ninguém e sim para encantar, por isso jamais termino de ler um livro que não me encanta, mesmo que me desafiem.
Enfim, a leitura teve papel principal na minha história de vida como formadora e orientadora de muitas das minhas escolhas. Agradeço a todos que me incentivaram e partilharam comigo essa inesgotável fonte de informação e prazer.

*Texto produzido na disciplina de Linguística Aplicada ao Ensino de Língua Portuguesa, curso de Letras/UNIR. Data: 17 de maio de 2011.

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